Cuidado: fanáticos por bike trabalhando

QUANDO UMA EMPRESA COMO A SPECIALIZED SONHA COM UMA NOVA BIKE, EQUIPES DE DESIGN SÃO MONTADAS, QUADROS DE TESTE SÃO DESTRUÍDOS, E AS APOSTAS SÃO ENORMES. COM A EPIC 2009, UM OBJETIVO GRANDIOSO: CRIAR A MOUNTAIN BIKE MAIS RÁPIDA E ÁGIL DO MUNDO – E GANHAR UM CAMPEONATO MUNDIAL PARA PROVAR O FATO.

Da esquerda para a direita, Anthony Trujillo, Brandon Sloan, Jan Talavasek, Mick McAndrews, Sam Pickman e Chris D'Aluisio

O BANDO DA SPECIALIZED: Da esquerda para a direita, Anthony Trujillo, Brandon Sloan, Jan Talavasek, Mick McAndrews, Sam Pickman e Chris D'Aluisio

Nas Profundesas de um Enorme Galpão.

No norte da Califórnia (EUA), onde fica o lar da Specialized Bicycle Components, há uma sala de testes fechada à chave e com uma única janela. Logo ao lado há uma pilha de quadros de fibra de carbono que foram quebrados, dobrados, torcidos e destroçados – tudo em nome da produção de novas e melhores máquinas. Aqui, o gerente de laboratório Sam Pickman observa um processo que pode ser muito doloroso de ser visto por um amante das bikes: testes de resistência de material em que os quadros são forçados até uma ruptura catastrófica. Agora mesmo, quatro deles estão montados em geringonças de aço que empurram, puxam e flexionam os tubos em várias direções.

A fibra de carbono, uma trama de fios extremamente finos ligados por cristais microscópicos, é um material forte, que cede pouco. Quando um tubo de fibra de carbono finalmente se rompe, ele não dobra e quebra simplesmente. Ele se detona com um som que mais parece um rojão. “Há a expectativa, daí vem o medo. Então, ela explode”, diz Pickman, um engenheiro mecânico magrelo de 27 anos que também é ciclista competitivo. Esse teste de tortura é apenas um passo no complicado processo de se criar uma bicicleta moderna e top de linha. A maioria dos quadros enviados ao laboratório foram desenhados pelos engenheiros da Specialized em seus computadores, depois moldados numa fábrica na Ásia e enviados de volta à specializedepic09_4_clCalifórnia.

O menu de abusos inclui testes de fadiga que simulam um ciclista saltando de um degrau alto e testes de estresse de 24 horas que imitam 15 anos de uso e expõem falhas microscópicas de projeto. Em janeiro de 2008, quando passei pelo laboratório, Pickman estava afundado até os joelhos em quadros quebrados, que haviam sido projetados para uma mountain bike cross-country versão 2009 chamada S-Works Epic, o upgrade da popular Epic 2008 (a designação S-Works é usada pela marca para bicicletas top de linha). Antes que os testes terminem, mais de cem quadros – a espinha dorsal de bikes que serãovendidas por cerca de US$ 8 mil nos Estados Unidos – serão destruídos. De certo modo, melhorias são uma rotina.

Na Specialized elas acontecem a cada poucos anos na maioria dos modelos. Mas os designers decidiram que este projeto de 2009 seria uma oportunidade para, fundamentalmente, repensar a bicicleta. Quando a marca lançou a primeira Epic, em 2001, seu sistema de suspensão nas duas rodas foi uma revolução, mas as outras marcas já se equipararam. A quantidade de planejamento, mãode- obra e despesas que vêm com um redesenho como esse dão um bom estudo de caso sobre o que acontece quando uma empresa de bikes de alto nível resolve aumentar seus próprios padrões. Isso é especialmente verdadeiro no caso da Epic 2009, pois o objetivo agora é nada mais do que criar a mountain bike de corridas mais leve, forte e ágil jamais construída.

2-copy-798-99A idéia era que as vitórias nas competições serviriam como ferramenta de marketing para as outras linhas de produtos. A Specialized colocaria aproximadamente 2 milhões de dólares no projeto de desenvolvimento. A equipe esperava que os atletas patrocinados pudessem mostrar a bike nas competições mais importantes de 2008. O maior desafio recairia sobre Christoph Sauser, profissional suíço cujo objetivo era vencer o campeonato mundial cross-country em junho, em Val di Sole, Itália. “Com a Epic querevendidas por cerca de US$ 8 mil nos Estados Unidos – serão destruídos. De certo modo, melhorias são uma rotina. Na Specialized elas acontecem a cada poucos anos na maioria dos modelos. Mas os designers decidiram que este projeto de 2009 seria uma oportunidade para, fundamentalmente, repensar a bicicleta.

Quando a marca lançou a primeira Epic, em 2001, seu sistema de suspensão nas duas rodas foi uma revolução, mas as outras marcas já se equipararam. A quantidade de planejamento, mãode- obra e despesas que vêm com um redesenho como esse dão um bom estudo de caso sobre o que acontece quando uma empresa de bikes de alto nível resolve aumentar seus próprios padrões. Isso é especialmente verdadeiro no caso da Epic 2009, pois o objetivo agora é nada mais do que criar a mountain bike de corridas mais leve, forte e ágil jamais construída. A idéia era que as vitórias nas competições serviriam como ferramenta de marketing para as outras linhas de produtos.

A Specialized colocaria aproximadamente 2 milhões de dólares no projeto de desenvolvimento. A equipe esperava que os atletas patrocinados pudessem mostrar a bike nas competições mais importantes de 2008. O maior desafio recairia sobre Christoph Sauser, profissional suíço cujo objetivo era vencer o campeonato mundial cross-country em junho, em Val di Sole, Itália. “Com a Epic queremos velocidade absoluta, e criar a ferramenta definitiva para o Christoph”, explicou Sinyard mais tarde.7795-18_sw_sj_ht_natural_red_stripe_l

“OS INFINDÁVEIS AJUSTES FINOS NA EPIC 2009 LEVARAM A UMA BICICLETA 680 GRAMAS MAIS LEVE DO QUE O MODELO ANTERIOR. “SE PUDERMOS DIMINUIR 6 GRAMAS COM UM NOVO DESIGN, VAMOS FAZER ISSO”, DIZ O DESENVOLVEDOR DE SUSPENSÕES MICK MCANDREWS”.

A SPECIALIZED COMEÇOU como uma empresa que consistia de um cara – um barbudo recém-formado de nome Mike Sinyard – que importava componentes da Europa. Após vender seu microônibus Volkswagen em 1974 para financiar seu negócio, Sinyard saía de bike para distribuir os componentes para as lojas na Bay Area de São Francisco (Califórnia) e para construtores de quadro emergentes. No começo dos anos 1980, a Specialized já produzia e vendia a popular Stumpjumper, a primeira mountain bike para o mercado de massa. Atualmente, Sinyard, com 59 anos, dirige um monstro corporativo que projeta e vende uma vasta linha de bicicletas – estradeiras, híbridas, cross-country, downhill, enduro, freeride, cicloturismo e ciclocross.

O projeto da Epic 2009 foi iniciado em abril de 2007 no quartel-general da Specialized em Morgan Hill, na Califórnia, uma hora ao sul de São Francisco. Ali, sob uma linha de lâmpadas fluorescentes, um grupo de caras – o Bando da Mountain Bike de Alta Performance da Specialized – se juntou para estabelecer os objetivos do projeto. O Bando é um time de construtores veteranos classe A. O engenheiro alemão Jan Talavasek é um mestre na complicada arte da fabricação em fibra de carbono; o gerente de produto Brandon Sloan compete em downhill; o líder da suspensão Mike “Mick” McAndrews ajudou a criar a primeira fornada de garfos RockShox em 1992; e o veterano de 21 anos da Specialized Robert Egger criou designs que mereceram lugar no Museu de Arte Moderna de São Francisco.

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As anotações de Sloan sobre a reunião foram comuns e misteriosas. Pelo menos um suporte de caramanhola no triângulo principal. Minimizar o peso, alcançando os objetivos de resistência, e manter a altura do quadro a menor possível. Um ponto importante foi marcado como “usp” (do inglês unique selling proposition, ou proposta incomparável para venda): a mais rápida bike cross-country com suspensão. A velocidade numa bike de alta performance vem da combinação de menor peso, melhor transmissão de força, eficiência de pedal, controle sobre terreno irregular e precisão de direcionamento. A equipe tinha 18 meses para iniciar a produção, e a missão era melhorar a efi ciência geral da bicicleta e, ao mesmo tempo, eliminar gramas onde fosse possível.

eurobike-2008-3647Uma forma de se cortar peso e melhorar a qualidade da pedalada era por meio do que a empresa rotulou de “integração total da suspensão” – eles mesmos construiriam as suspensões dianteira e traseira e as pedivelas, em vez de fi carem presos a fabricantes de componentes padronizados. Um movimento importante aqui foi a recontratação de Mick McAndrews.

O californiano de 49 anos trabalhou durante dez anos na área de pesquisa e desenvolvimento da Kawasaki antes de criar suspensões pioneiras para bikes na RockShox, Fox Racing, Specialized e Maverick American. As rodas numa mountain bike crosscountry moderna se prendem ao quadro de forma dinâmica, com suspensões dianteira e traseira que se movem para cima e para baixo sobre as pedras e irregularidades do terreno.

A suspensão ideal para um competidor o ajuda a descer mais rápido, mas não o retarda no plano e em subidas. Qualquer mecanismo de suspensão de bicicletas tem dois componentes – uma mola e um amortecedor – e, num garfo típico, cada um se encaixa em um lado do garfo. Na suspensão dianteira da Epic, uma câmara de ar comprimido atua como mola. O amortecedor, que controla o sobe-desce da mola, funciona à base de óleo, que passa através de pequenas aberturas, o que impede o retorno repentino e adiciona uma pequena quantidade de resistência.

O garfo dianteiro da Epic 2009, o E100, originou-se de uma idéia de McAndrews a respeito de design concêntrico. Ele tem os mecanismos de amortecedor e mola na mesma perna, o que elimina 77 gramas. Só esse garfo precisou de 18 meses de projeto e testes. Com o primeiro modelo Epic, a Specialized foi pioneira ao reduzir drasticamente o movimento da suspensão traseira ao se pedalar – o que era o grande problema desses sistemas, já que o balanço gerado pelo ciclista atrapalha a transferência direta da força da pedalada para força motora.pbpic2242810

Para o modelo 2009, McAndrews e sua equipe decidiram não repensar radicalmente a suspensão traseira; em vez disso, eles diminuiriam um pouco seu peso com um corpo mais esguio e incorporariam duas patentes da Specialized. Uma delas é um sistema de junção que permite à roda traseira mover-se apenas para cima e para baixo, e não para frente e para trás. Dessa forma, as fl utuações no comprimento da corrente, que atrapalham muitos sistemas, foram eliminadas.

Outra patente é o chamado “sistema inércia de válvula,” inventado por McAndrews na Specialized em 1998. Essa válvula, conhecida dentro da empresa como brain technology (tecnologia cerebral), consiste em um pequeno cilindro contendo um peso de metal que é preso à rabeira superior e conectado por meio de uma mangueira à suspensão. O impacto, de baixo para cima, gerado por terreno irregular, move o peso, abrindo uma válvula que deixa o óleo fl uir e ativa a suspensão.

Em superfícies lisas, o peso fecha a válvula e a desativa. A idéia é oferecer suspensão ao ciclista apenas quando necessário. A recompensa pelos infi ndáveis ajustes fi nos foi lenta, mas crucial. “Se pudermos diminuir 6 gramas com um novo design, vamos fazer isso”, diz McAndrews. Com estas e outras inovações, 227 gramas foram cortados da suspensão.